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As perturbações do neurodesenvolvimento representam hoje a patologia crónica mais frequente na idade pediátrica, obrigando a cuidados cada vez mais diferenciados. São patologias muito frequentes e constituem um grupo heterogéneo de entidades clínicas que têm por base anomalias neurológicas que afetam o desenvolvimento cerebral e a sua função, desde uma fase precoce da vida. Consideram-se, neste âmbito, o atraso global ou específico do desenvolvimento psicomotor, a perturbação do desenvolvimento intelectual, as dificuldades de aprendizagem específicas, as perturbações de linguagem, a perturbação do espectro do autismo, a perturbação de hiperatividade e défice de atenção, entre outras. No conjunto, representam hoje a patologia crónica mais frequente na idade pediátrica, com uma prevalência estimada de 10 a 20% nos países desenvolvidos.


A Pediatria do Neurodesenvolvimento é o ramo da pediatria que se dedica à avaliação e vigilância do neurodesenvolvimento das crianças, no sentido de prevenir ou diagnosticar as suas perturbações, de investigar as suas causas e de estabelecer planos de intervenção. Esta não é uma área recente da Pediatria. De facto, a afirmação desta área no seio da Pediatria remonta ao início do século XX, com o contributo de pediatras como Arnold Gesell (EUA 1880-1961), considerado o “pai” da Pediatria do Neurodesenvolvimento, e Ronald Illingworth (Inglaterra 1909-1990), que introduziu o tema do desenvolvimento psicomotor no ensino da pediatria e foi pioneiro na integração da avaliação do neurodesenvolvimento no exame objetivo da criança, introduzindo também o conceito de rastreio. Berry Brazelton (EUA 1918-2018), igualmente pediatra, destacou-se nos seus trabalhos de avaliação do neurodesenvolvimento do recém-nascido e pela criação do modelo Touchpoints, com uma perspetiva de intervenção antecipatória, na base do que entendemos hoje por Intervenção Precoce. Em Portugal, nos anos 60, a pediatra Maria da Graça Andrada dedicou-se à avaliação do neurodesenvolvimento, acompanhamento e reabilitação de crianças com Paralisia Cerebral. Desde os anos 70, consultas e equipas multidisciplinares exclusivamente dedicadas a esta área foram criadas nos hospitais portugueses. Este interesse crescente levou à constituição, há mais de 30 anos, de uma sociedade científica própria, a SPND, na dependência da SPP.

A especialidade de Pediatria evoluiu no sentido de criar uma diferenciação em Pediatria do Neurodesenvolvimento e a necessidade de se dispor de recursos médicos qualificados levou à implementação, já por 4 vezes nos últimos 11 anos, de Ciclos de Estudos Especiais (CEE) em Pediatria do
Neurodesenvolvimento, aprovados pelo Ministério da Saúde e pela Ordem dos Médicos. Na última contabilização, eram mais de 30 os pediatras com CEE concluído ou equiparação. 

A procura e a atividade assistencial da Pediatria do Neurodesenvolvimento tem conhecido um aumento notável no nosso país. No último levantamento (2017),  a nível nacional, em mais de 40 unidades hospitalares, foram quase 100.000 as consultas de Pediatria do Neurodesenvolvimento e representaram cerca de 14% do total das consultas de Pediatria. Nesse mesmo ano, foram contabilizados 56 pediatras que trabalhavam a tempo inteiro dedicados a esta área e 100 a tempo parcial.

A premência desta área da pediatria, é também reconhecida no novo programa de formação especializada em pediatria (Portaria n.º 52/2023) que permite a realização de Estágio de Neurodesenvolvimento  no 4º ou no 5º ano.

Atendendo à prevalência das patologias que esta área abarca, ao impacto social e familiar das mesmas, às exigidas especificidades na avaliação e seguimento médico, e ao esperado crescimento das patologias do neurodesenvolvimento associado à diminuição da mortalidade infantil e ao aumento da suspeição diagnóstica, consideramos fundamental, na formação de um futuro pediatra, integrar o estágio nesta área.

Micaela Guardiano, Pediatra do Neurodesenvolvimento
Coordenadora da Unidade de Neurodesenvolvimento do Hospital de S. João, Porto

Referências
- Capute AJ, Accardo JP. Neurodevelopmental Disabilities in Infancy and Childhood. 3rd ed.
Brookes Publishing 2008
- Health Neurodevelopmental Disorders. America’s Children and the Environment. Third
Edition, Updated October 2015. (https://www.epa.gov/sites/production/files/2015-
10/documents/ace3_neurodevelopmental.pdf - acedido 3 março 2018).
- American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5th
edition, 2013.
- Oliveira G, Nunes-Vicente I, Guardiano M, Aguiar L, Loureiro S, Gouveia R, Glória-Silva F.
Pediatria do Neurodesenvolvimento em Portugal: Movimento Hospitalar Assistencial, Recursos
e Necessidades – Evolução em Dez anos, Ata Med Port, Vol 33, N. 13 (2020)
https://doi.org/10.20344/amp.13316