Este site utiliza cookies para o bom funcionamento do site e para otimizar a sua experiência de navegação. Para saber mais sobre a utilização dos cookies ou como os gerir ou desativá-los neste dispositivo por favor consulte a Política de Cookies.

Autores: Andreia Nogueira, Inês Nunes Vicente, Alexandra Oliveira, Teresa Mota Castelo

Centro de Desenvolvimento da Criança, Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra E.P.E.


O QUE É A DISLEXIA?

A dislexia, ou dificuldade de aprendizagem específica da leitura e escrita, define-se por um desempenho na leitura abaixo do esperado para a idade, ano de escolaridade e
inteligência da criança. A dislexia está incluída no grupo das patologias da linguagem e traduz uma alteração da consciência fonológica, ou seja, a criança tem dificuldade em perceber que as
palavras são constituídas por sílabas e cada sílaba por vários sons. Por este motivo, não vai ser capaz de atribuir significado aos símbolos escritos - as letras- e, desta forma, descodificar a informação escrita, não conseguindo, por isso, aprender a ler e, consequentemente, a escrever como esperado.
Em Portugal 28% das crianças manifestam dificuldades de leitura, sendo a prevalência da dislexia de 5 a 9%.
A dislexia deve ser distinguida das restantes perturbações da linguagem, que frequentemente também envolvem a leitura e escrita, mas que têm igualmente repercussões noutras áreas, como a compreensão de textos lidos ou a capacidade de expressão, através da fala. Os apoios que estas crianças necessitam serão distintos e necessariamente mais abrangentes.

 

QUAL A CAUSA DA DISLEXIA?

A causa da dislexia permanece ainda por esclarecer completamente. Os factores genéticos têm uma grande importância, sabendo-se que uma criança com um dos pais com diagnóstico de dislexia têm um risco oito vezes superior de enfrentar este problema. Existem também vários fatores biológicos que aumentam o seu risco, como a prematuridade.

 

QUE CARACTERÍSTICAS SUGEREM O DIAGNÓSTICO DE DISLEXIA?
Os professores e educadores costumam ser os primeiros a suspeitar que a criança tem dislexia,

Idade pré-escolar – suspeitar se:
- Dificuldade em perceber rimas, memorizar lengalengas, dias da semana
- Dificuldade em dividir as palavras em sílabas e perceber os sons iniciais ou finais das palavras

Idade escolar – suspeitar se:
- Dificuldade na aquisição da leitura, visível, desde logo, na aprendizagem dos ditongos

- Leitura silabada, mais lenta que o esperado para o nível de escolaridade, hesitante e com muitas incorreções; confusões na ordem das letras, substituição de letras com valor fonológico distinto (ou seja, que têm sons muito diferentes) o Substituição de palavras por outras de estrutura semelhante, com significado diferente (ex. correu-comeu) e/ou substituição de palavras inteiras por outras semanticamente próximas (cão-gato; carro- automóvel)

- Dificuldades na escrita, nomeadamente na associação do som à letra correta; Presença de muitos erros fonológicos, ortográficos e sintáticos; Dificuldade em soletrar as palavras; Vocabulário reduzido; Frases mal estruturadas; Caligrafia alterada, pouco legível, letra rasurada e irregular

As crianças com dislexia demoram frequentemente muito tempo a realizar os trabalhos de casa, podendo mesmo resistir à sua realização. Os pais e professores muitas vezes têm a percepção que os resultados escolares são inferiores à sua capacidade intelectual, nomeadamente na área do raciocínio lógico-matemático ou competências demonstradas oralmente, área em que têm melhor desempenho.


Outros desafios que podem enfrentar:
- Défice de atenção
- Dificuldades na coordenação motora
- Sentimentos de ansiedade, insegurança e baixa auto-estima
- Desmotivação e desinvestimento nas tarefas escolares

O início da escolaridade é habitualmente marcado por uma elevada motivação e vontade de aprender a ler por parte da criança. É fundamental suspeitar deste diagnóstico se a criança começar a demonstrar menor adesão às tarefas da leitura e escrita, a recusar sistematicamente a leitura, sobretudo perante terceiros, a apresentar ansiedade marcada nos momentos de avaliação, ou mesmo a recusar em ir à escola referindo sinais e/ou sintomas físicos decorrentes da ansiedade (dores abdominais, cefaleias).

 

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?
Perante a suspeita de dislexia, deve ser feita uma referenciação célere para uma consulta de Pediatria do Neurodesenvolvimento.

Nesta consulta, de natureza multidisciplinar, o Pediatra começará por fazer uma história clínica completa e exame físico detalhado, a fim de caracterizar a história desenvolvimental da criança e a natureza das dificuldades de aprendizagem apresentadas. É importante confirmar que existiram condições pedagógicas adequadas para aaprendizagem da leitura e escrita e deverão, igualmente, ser excluídos problemas de visão ou audição que podem justificar quadros clínicos semelhantes. Posteriormente, em articulação com o Pediatra, deve proceder-se a uma caracterização multidisciplinar da criança, nomeadamente do perfil intelectual e comportamental (avaliação por Psicologia), das competências pedagógicas (avaliação por Docente de Educação Especial) e das competências linguísticas (avaliação por Terapia da fala).
A caracterização do perfil intelectual e outras funções cognitivas de nível superior são fundamentais, pelo impacto que têm na aprendizagem. A avaliação pedagógica permite verificar, de forma objetiva, o nível de aprendizagem da leitura, escrita e matemática e compará-lo com o esperado para o nível de escolaridade da criança. Por fim, a chave do diagnóstico reside na avaliação por Terapia da Fala. Nesta área, é avaliado o desempenho da criança nas várias áreas da linguagem, permitindo identificar, em particular, as lacunas a nível da consciência fonológica.
Esta avaliação extensa e detalhada permite estabelecer um diagnóstico rigoroso, essencial para a definição de um plano de intervenção individualizado para cada criança. Este plano deve ser partilhado entre os profissionais de saúde, com a família, professores e técnicos a intervir, garantindo um bom trabalho de equipa.


COMO INTERVIR?
A intervenção deve ter início o mais precocemente possível, assim que se suspeite desta condição.
Em idade pré-escolar, deve proporcionar-se um reforço das competências pré-leitoras, tal como previsto pelas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, emanadas pelo Ministério da Educação. Em crianças com risco elevado - antecedentes familiares de dislexia ou de perturbações da linguagem, por exemplo - deve reforçar-se a intervenção, com um trabalho coordenado entre jardim de infância, famílias e Terapia da Fala (se as dificuldades apresentadas pela criança justificarem intervenção direta).
Em idade escolar, os alunos com o diagnóstico de dislexia devem beneficiar medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, ao abrigo do decreto lei nº 54/2018, de acordo com o Relatório Técnico-Pedagógico que as suporta (ex. medidas seletivas - reforço e antecipação das aprendizagens (art.9º) e adaptações no processo de avaliação (art. 28º). A eleição, monitorização e avaliação das medidas implementadas é da responsabilidade da equipa educativa.
A intervenção por Terapia da Fala é fundamental, a fim de melhorar as competências linguísticas que estão na base das dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita, e deve ser iniciada o mais precocemente possível.


QUAL O PROGNÓSTICO?
A intervenção atempada melhora o prognóstico e tem repercussões muito significativas no bem-estar emocional, motivação e gosto pela aprendizagem e integração escolar da criança.
Nos casos mais graves ou de intervenção insuficiente ou tardia, a acumulação progressiva de dificuldades leva ao desinvestimento crescente pelo treino da leitura e da escrita, com consequente compromisso da interpretação dos textos e enunciados e impacto transversal nas várias áreas da aprendizagem escolar.
A existência de uma perturbação de linguagem e/ou dos sons e da fala, em idade pré- escolar, constitui um fator de risco para dificuldades de aprendizagem, nomeadamente na leitura e escrita. Durante os primeiros anos de escolaridade, estas crianças devem manter acompanhamento em terapia da fala (intervenção ou vigilância, consoante a natureza e gravidade da perturbação), a fim de garantir que a aquisição da leitura e da escrita está a ser bem sucedida.

 

SUGESTÕES E ESTRATÉGIAS PARA O DIA-A-DIA

Em idade pré-escolar...

- Cultivar o hábito de ouvir pelo menos uma história por dia, tornando este momento emocionalmente positivo. Esta rotina aumenta a curiosidade sobre a leitura, ao mesmo tempo que promove as competências linguísticas da criança;

- Fazer jogos linguísticos como trava-línguas, adivinhas, rimas, provérbios, poemas. Ajudar a criança a aprender através dos sentidos (sons, gestos) de modo a estabelecer associações multissensoriais e assim aumentar a probabilidade de êxito na aprendizagem futura da leitura;

- Preparar dramatizações de contos através da mímica, fantoches, marionetes com a família e/ou colegas;

- Limitar o tempo de exposição a ecrãs, privilegiando a visualização conjunta com o adulto e escolhendo conteúdos com qualidade linguística e adequados à idade.

 

Em idade escolar...

- Ler com a criança diariamente;

- Ajudar a criança a ler, podendo ser necessário soletrar as palavras ou ler o início das frases, solicitando à criança para que leia o final das mesmas;

- Depois da criança ler, conversar sobre o que compreendeu da mensagem;

- Assinalar, valorizar e elogiar os progressos e êxitos da criança tanto no plano escolar como no plano não escolar;

- Promover um ambiente de aprendizagem/estudo calmo e organizado, sem elementos distratores (televisão, música, tablet, telemóvel);

- Dividir as tarefas em pequenas partes, assinalando o final da realização de cada uma delas como um êxito;

- Garantir que a criança compreendeu a tarefa, ajudando na leitura dos enunciados;

- Encorajar a criança a pedir ajuda sempre que necessário, evitando um ambiente de crítica;

- Demonstrar e partilhar o prazer de ler nos tempos livres, através do exemplo dos adultos.